A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu as possibilidades de submissão de sociedades de propósito específico (SPE) que atuam na atividade de incorporação imobiliária aos efeitos da recuperação judicial.
O entendimento da Terceira Turma foi estabelecido em processo de recuperação judicial que envolve grupo empresarial formado por holdings e por diversas sociedades de propósito específico. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia admitido a possibilidade de recuperação para as SPE em geral, com exceção daquelas dedicadas à incorporação imobiliária, independentemente do regime de afetação patrimonial.
Com base nesse posicionamento, o TJSP concluiu que deveriam ser afastadas da recuperação as SPE com patrimônio de afetação; as sociedades que já haviam exaurido o seu objeto e não tinham mais estoque; e aquelas que, apesar da existência de estoque, não tinham mais dívidas. O tribunal também negou a recuperação para as SPE que estavam inoperantes, pois não haveria atividade empresarial a ser preservada.
Relator do recurso do grupo empresarial, o ministro Villas Bôas Cueva explicou que as SPE são pessoas jurídicas constituídas com a finalidade exclusiva de executar determinado projeto. Como forma de garantir essa finalidade e evitar o desvio de recursos captados para a execução do objeto social, o magistrado lembrou que a Lei 10.931/2004 acrescentou os artigos 31-A a 31-F à Lei 4.591/1964, introduzindo a figura do patrimônio de afetação na incorporação imobiliária.
"A afetação patrimonial implica a separação de uma parte do patrimônio geral do incorporador, que ficará vinculada a um empreendimento específico, a partir da averbação de um termo de afetação no registro de imóveis", esclareceu o relator.
No campo da incorporação imobiliária, comentou o ministro, as atividades são normalmente estruturadas por meio de uma holding, responsável por controlar várias SPE – cada uma constituída para um empreendimento específico. Nesse caso, prosseguiu, os pedidos de recuperação são feitos pelo grupo empresarial.
Segundo Villas Bôas Cueva, a Lei 11.101/2005 não veda a submissão das incorporadoras ao regime da recuperação, nem impede expressamente a concessão de seus efeitos às SPE, com ou sem patrimônio de afetação.
Entretanto, no caso das SPE com patrimônio de afetação, "os créditos oriundos dos contratos de alienação das unidades imobiliárias, assim como as obrigações decorrentes da atividade de construção e entrega dos referidos imóveis, são insuscetíveis de novação, não podendo o patrimônio de afetação ser contaminado pelas outras relações jurídicas estabelecidas pelas sociedades do grupo", afirmou o ministro.
"Encerrada a obra e entregues as unidades aos adquirentes, o patrimônio de afetação se exaure. Eventuais sobras voltarão a integrar o patrimônio geral da incorporadora e, somente a partir desse momento, poderão ser utilizadas para o pagamento de outros credores", prosseguiu.
Já as SPE que não administram patrimônio de afetação podem se valer dos benefícios da recuperação, desde que não utilizem a consolidação substancial e desde que a incorporadora não tenha sido destituída pelos adquirentes na forma do artigo 43, inciso VI, da Lei 4.591/1964.
No caso da consolidação substancial, a Lei 11.101/2005 possibilita a apresentação de um único plano de recuperação para as empresas que integram o mesmo grupo econômico.
"Com efeito, a estipulação da sociedade de propósito específico tem sua razão de ser na execução de um objeto social único, evitando a confusão entre o seu caixa e as obrigações dos diversos empreendimentos criados pela controladora. Diante disso, não se mostra possível a reunião de seus ativos e passivos com os das outras sociedades do grupo em consolidação substancial, salvo se os credores considerarem essa situação mais benéfica", afirmou Villas Bôas Cueva.
O relator também ponderou que, no caso da decretação de quebra da incorporadora, a falência não atingirá as incorporações submetidas à afetação. Nesse caso, cabe aos adquirentes optar pela continuação da obra ou pela liquidação do patrimônio de afetação, nos termos do artigo 31-F da Lei 4.591/1964.
No caso dos autos, ele disse que o TJSP concluiu não haver atividades a serem preservadas nas SPE da incorporadora. Ao constatar a ausência de atividade das recorrentes, o tribunal de origem "não incursionou na viabilidade econômica das empresas, mas, sim, verificou a ausência de um dos pressupostos para o deferimento do pedido de processamento – o exercício de atividade regular pelo prazo de dois anos", salientou o ministro. E rever esse entendimento exigiria o reexame de fatos e provas, procedimento vedado em recurso especial pela Súmula 7 do STJ.