Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a empresa fornecedora de aplicativo de mensagens não pode ser multada por descumprir ordem judicial para interceptação e acesso ao teor das conversas de usuários sob investigação, se tais providências são impedidas pelo emprego de criptografia de ponta a ponta.
Por unanimidade, o colegiado confirmou decisão do relator, ministro Ribeiro Dantas, que, em março, negou provimento a recurso especial do Ministério Público de Rondônia. No recurso, o MP pedia a reforma do acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia que afastou integralmente a multa cominatória (astreintes) aplicada em primeira instância contra o WhatsApp.
Segundo Ribeiro Dantas, a existência de ordem judicial baseada na Lei 9.296/1996, que regula a quebra de sigilo, não é suficiente para justificar a fixação de astreintes no caso de aplicativo que usa criptografia de ponta a ponta.
O relator explicou que a criptografia utilizada no aplicativo protege os dados nas duas extremidades do processo, no polo do remetente e no do destinatário da mensagem.
Ele lembrou que a Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.568.445, decidiu sobre a possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória. Todavia, ressalvou, é preciso fazer uma distinção entre aquele caso e a situação do recurso em julgamento.
"Diversamente do precedente, a questão posta nestes autos é a alegação, pela empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta", afirmou.
Ribeiro Dantas reconheceu que, no caso julgado, o não atendimento da ordem judicial pode ser visto como obstrução de uma medida legítima, admitida pela Constituição, que é o fornecimento de dados para persecução penal. Por isso, em tese, seria juridicamente possível impor a multa cominatória à empresa, mesmo diante da impossibilidade técnica da quebra de sigilo.
Segundo o ministro, se a própria empresa, agindo com a finalidade de lucro, gera uma situação em que fica impossibilitada de identificar o conteúdo requisitado pela Justiça – conteúdo este importante para a investigação de crimes e cujo sigilo pode ser legalmente afastado –, "seria razoável proibi-la de alegar obstáculo que ela mesma criara".
Por outro lado – observou –, ao buscar mecanismos que protegem a intimidade da comunicação privada e a liberdade de expressão, por meio da criptografia de ponta a ponta, as empresas estão assegurando direitos fundamentais reconhecidos expressamente na Constituição Federal. Diante disso, ele entende que a aplicação da multa não deve ser admitida, pois a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica.
O relator citou dois julgamentos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) – ADPF 403 e ADI 5527 – que caminham para o entendimento de que a ciência corrobora a impossibilidade técnica de interceptar dados criptografados de ponta a ponta.
De acordo com Ribeiro Dantas, os relatores desses dois processos no STF, o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber, chegaram à mesma conclusão, de que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza que, em detrimento dos benefícios trazidos pela criptografia para a liberdade de expressão e o direito à intimidade, as empresas de tecnologia sejam multadas por descumprimento de ordem judicial incompatível com a encriptação.
Na mesma linha dos ministros do STF, Ribeiro Dantas comentou que os benefícios representados pela criptografia de ponta a ponta se sobrepõem aos eventuais prejuízos causados pela impossibilidade de quebra de sigilo das mensagens.
"Diante da fundamentação ora apresentada, a despeito da boa argumentação da acusação, não se pode falar em ofensa ao artigo 10, parágrafos 1º e 2º, da Lei 12.965/2014", declarou o magistrado ao negar provimento ao recurso do Ministério Público.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.