"Confesso que tive a mesma sensação do dia em que soube da minha aprovação no concurso da magistratura paulista", afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Moura Ribeiro sobre a notícia de que havia sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2020. O motivo da indicação foi a aplicação pioneira dos princípios do capitalismo humanista em sua atividade judicante.
O julgamento que deu origem à indicação do ministro do STJ foi o caso de uma família que adquiriu imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação e não conseguiu pagar as mensalidades por causa de uma grave doença que acometeu o filho. O recurso de apelação foi julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em 2010 e teve como relator o então desembargador Moura Ribeiro.
O banco credor não concordou em renegociar as parcelas e moveu execução hipotecária contra os devedores, cobrando as obrigações em atraso com juros de mora e multa contratual. Para Moura Ribeiro, ficou evidenciado no processo que o inadimplemento havia decorrido dos altos gastos que os pais suportaram com o tratamento do filho, diagnosticado com leucemia – e que veio a falecer em razão da doença.
A decisão do TJSP na Apelação com revisão 991.06.05460-3 afastou a cobrança dos juros moratórios e da multa contratual no período da doença, levando em conta a ocorrência de caso fortuito e a ausência de culpa – elementos que descaracterizaram a mora, segundo o relator. Com essa decisão, Moura Ribeiro se tornou o primeiro magistrado brasileiro a adotar o capitalismo humanista em seus julgados.
"A matéria, apesar de controvertida, foi acolhida pelo credor, que poderia ter entrado com recurso. No caso, o banco recalculou o período da doença do filho, e o casal voltou a pagar as parcelas mensais. Isso é uma boa-fé notória", observou o ministro.
Para o professor Ricardo Sayeg, que não conhecia Moura Ribeiro à época, o acórdão do TJSP foi um exemplo típico de observância dos direitos humanos no ambiente capitalista. "Os devedores se depararam com uma situação imprevisível e deveriam optar entre custear o tratamento do filho doente ou pagar as parcelas do financiamento. No final, escolheram a única opção possível para um pai e uma mãe: tentar salvar a vida do filho, um direito constitucional", avaliou o professor.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional 383/2014, que propõe a inserção do capitalismo humanista na Constituição Federal. Também na cidade de São Paulo, o Poder Legislativo aprovou em primeiro turno que o município deve ser regido pelos valores do capitalismo humanista, por meio da Proposta de Emenda à Lei Orgânica 04-00001/2014, que ainda carece de ratificação em segundo turno.
"O capitalismo humanista é o viés do direito econômico dentro daquilo que se chama de capital e que precisa ter uma visão social. O capital não precisa ser tenebroso. Não temos nada contra o capital, só queremos que ele se amolde aos princípios que gregos e romanos nos deixaram assentados aos direitos da personalidade. O capital deve passar por nós de tal modo que a Constituição possa ser implementada pelo piso da dignidade humana e haja uma real distribuição preconizada na lei", declarou o ministro Moura Ribeiro.