Os limites para o reajuste por avanço da idade, a viabilidade econômica do mercado e os direitos e as vulnerabilidades do consumidor idoso dominaram os primeiros painéis da audiência pública que discute o reajuste etário em planos de saúde coletivos, realizada nesta segunda-feira (10) no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os debates subsidiarão o julgamento do Tema 1.016 dos recursos repetitivos pela Segunda Seção.
A audiência pública tem transmissão ao vivo pelo canal do STJ no YouTube.
Participam da audiência o relator dos recursos especiais, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha, além dos demais ministros que compõem a Segunda Seção. Para os debates, foram convidados diversos especialistas do campo jurídico, de entidades representativas dos setores interessados e de instituições acadêmicas, permitindo uma análise dos múltiplos pontos de vista sobre o tema.
A questão submetida a julgamento sob o rito dos repetitivos é a validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária, além do ônus da prova da base atuarial do reajuste. Segundo o Banco Nacional de Demandas Repetitivas do Conselho Nacional de Justiça, pelo menos duas mil ações estão suspensas em todo o país, aguardando a fixação da tese pela Segunda Seção.
O primeiro palestrante do dia foi o procurador da República Fabiano de Moraes, que apresentou um breve histórico da legislação brasileira envolvendo planos de saúde, com destaque para a aprovação da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).
"A lei trouxe uma certa organização entre as diferentes operadoras que existiam – autogestões, cooperativas, seguradoras –, além de fixar que o contrato inicial deve ter uma previsão específica de faixas etárias e percentuais de reajuste."
Moraes destacou ainda que, mesmo com o avanço legislativo, a falta de previsão de limites entre as faixas etárias – já que a lei só determinou o limite máximo entre a primeira e a última – resultou em aumentos concentrados nas últimas faixas, o que inviabilizou a permanência de muitos idosos nos seguros de saúde.
"Algumas pessoas tiveram um aumento de 100% ao completar 60 anos, permaneceram no plano e, quando fizeram 70 anos, veio um aumento de 200% – o que obrigou esses idosos a desistirem do plano de saúde."
Em seguida, o defensor público Edson Rodrigues Marques falou sobre o aumento dos processos relacionados a reajustes e coberturas dos planos de saúde. Marques ressaltou que, apesar de a negociação das operadoras ser por vezes com as empresas, o consumidor idoso continua figurando como a parte hipossuficiente, devido à sua fragilidade física, psicológica e financeira.
"Nós temos um pacto de gerações, não podemos pensar no idoso apenas como alguém que dá prejuízo ao plano de saúde. Não é uma análise puramente financeira e econômica; eles trabalharam a vida toda para contribuir com o país e com a sociedade, não podem ser tratados como clientes indesejados pelas operadoras – que é o que ocorre."
No segundo painel da audiência pública, que foi presidido pelo ministro Moura Ribeiro, a diretora do Instituto Brasileiro de Atuária, Raquel Marimon, trouxe um panorama sobre como é realizado o cálculo atuarial para definir o preço de um plano. Ela explicou que as precificações de plano de saúde respeitam o regime de repartição simples, isto é, o total de despesas de um grupo de pessoas é dividido igualitariamente por aquelas mesmas pessoas.
Ao apresentar um estudo de caso realizado com nove operadoras de diferentes regiões do Brasil, a painelista mostrou que, a partir dos 85 anos, as demandas em relação à saúde aumentam. "O preço do plano de saúde é uma função que está diretamente relacionada a esse consumo, a essa demanda de assistência à saúde e, portanto, o plano vai custar mais", comentou.
O representante do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, Rafael Muneratti, falou sobre os mecanismos utilizados por operadoras que não levam em consideração o tempo durante o qual o usuário utiliza o plano e deixam usuários sem assistência devido aos aumentos abusivos ao longo do tempo de uso.
Rafael Muneratti mencionou que muitas operadoras se utilizam de um mecanismo chamado seleção de risco preferencial, sistema que seleciona como clientes pessoas que dão menos risco à empresa. Assim, os jovens acabam pagando menos, pois utilizam menos o plano de saúde; por outro lado, existe a exclusão do grupo com mais idade.
"Muitas vezes os cálculos são muito frios, a matemática não espelha a realidade da pessoa, não leva em consideração a pessoa que necessita daquele atendimento, que precisa daquele plano e se vê surpreendida com muitos aumentos desproporcionais ao que ela vinha pagando", frisou o defensor.
Na abertura do terceiro painel do dia, presidido pelo ministro Raul Araújo, a advogada Paula de Lemos lembrou que o contrato de saúde possui natureza securitária, em que as mensalidades serão utilizadas para o pagamento de eventos durante a vigência do plano. Além disso, segundo a advogada, princípios contratuais como a igualdade, a boa-fé objetiva e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato não são violados com a inserção de cláusula que prevê o reajuste por faixa etária.
Já a representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete, destacou a necessidade de se considerar a hipervulnerabilidade do consumidor idoso no âmbito dos planos de saúde. Navarrete considerou que as pessoas com 59 anos ou mais representam o segundo maior público do mercado de 47 milhões de pessoas, atrás apenas da faixa etária entre 0 e 18 anos.
De acordo com a representante do Idec, o mercado de planos de saúde apresenta barreiras à entrada de novos usuários já idosos e, além disso, demonstra possuir baixa mobilidade (considerando os elevados prazos de carência para mudança de plano) e poucas opções de coberturas equivalente prestadas por empresas distintas.
"É possível cobrar valores distintos de mensalidade para diferentes grupos etários, desde que os índices não tenham sido estipulados de forma desproporcional ou aleatória", apontou Navarrete.
Sob a presidência do ministro Marco Buzzi, o quarto painel foi aberto pela economista Luciana Yeung, do Instituto Insper. Para ela, o aumento nos custos pode significar o fim da rentabilidade das operações dos planos de saúde. Ao mesmo tempo, a pesquisadora também lembrou que tem havido a crescente saída de usuários dos planos em direção ao SUS, o que gera um impacto sistêmico.
Segundo Luciana Yeung, o controle de reajuste de preços em determinadas faixas etárias teria diversas consequências, como o aumento nos valores pagos pelos segurados das demais faixas, a ameaça à sustentabilidade das empresas de saúde privadas e a elevação "intolerável" dos planos para as pessoas mais jovens.
O painel foi concluído pelo advogado Bruno Miragem, representante do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). De acordo com ele, nos contratos de consumo de longa duração – a exemplo dos planos de saúde –, há a necessidade de que a cláusula de reajuste seja prévia e adequadamente informada.